Audiência pública discute aplicação da lei do marco temporal

O papel da Fundação Nacional dos Povos Indígenas (Funai) nos processos de demarcação de terras após a entrada em vigor da lei que institui o marco temporal (Lei 14.701/2023) foi tema de audiência pública interativa da Comissão de Agricultura e Reforma Agrária (CRA) na tarde desta quarta-feira (13). A promoção do debate atendeu a requerimento do senador Sergio Moro (União-PR).

“Precisamos saber se a lei está sendo cumprida pois é assim que manteremos a paz e a justiça no campo, tanto para indígenas quanto para pequenos produtores rurais”, defendeu a senadora Tereza Cristina (PP-MS), que é integrante da Comissão de Agricultura. “Sem isso, continuaremos a ter insegurança jurídica e violência”, completou.

A senadora, que foi a primeira a perguntar, quis saber se a Funai e o Ministério da Justiça reconhecem a legitimidade do Congresso Nacional para legislar sobre tema. Tereza Cristina disse ainda que é fundamental que o governo federal informe ao país os atuais processos de demarcação de terras indígenas. Ela lembrou que muitos produtores estão impedidos de trabalhar na própria terra, por conta da insegurança jurídica.

A Funai disse que não fez nenhuma demarcação após a promulgação da lei e informou que existem 400 pedidos de demarcações pendentes – alguns duplicados. O governo deu a entender que aguarda a decisão do Supremo Tribunal Federal (STF) sobre a constitucionalidade da nova lei do marco temporal.

Foram convidados para a audiência pública Sheila Santana de Carvalho, secretária de Acesso à Justiça do Ministério da Justiça e Segurança Pública; Maria Janete Albuquerque de Carvalho, diretora de Proteção Territorial da Funai; Nina Paiva Almeida, coordenadora-Geral de Identificação e Delimitação da Funai; Heraldo Trento, prefeito de Guaíra (PR); e Klauss Dias Kuhnen, procurador jurídico da Federação da Agricultura do Estado do Paraná (Faep).

Paraná

O deputado Pedro Lupion (PP-PR), presidente da Frente Parlamentar da Agropecuária (FPA), acompanhou a audiência e falou autorizado pelo senador Moro, que coordenou a audiência pública. Lupion disse que como produtor rural e representante do Paraná sabia da importância do agronegócio para seu estado. Ele também defendeu o poder do Congresso para legislar. O deputado ainda disse saber da militância ideológica dentro da Funai e recomendou aos servidores do órgão a suspensão de todos os processos de demarcação.

O prefeito do município de Guaíra (PR), Heraldo Trento, afirmou que a região do oeste do Paraná tem vivenciado uma situação muito complexa. Ele fez um relato de perdas de receitas para seu município, desde a implantação da Usina de Itaipu até mudanças na lei do ICMS – que, segundo ele, prejudicaram o caixa do município. Para o prefeito, a demarcação de terras indígenas tem gerado muita insegurança jurídica e riscos sanitários, tanto para a agricultura quanto para a pecuária.

Ele disse conhecer muitos indígenas que eram integrados na sociedade, mas que hoje demandam por terra. “Guaíra nunca foi ouvido nesses pretensos processos de demarcação. São ocupações urbanas e rurais. Esses absurdos precisam ser registrados neste momento. Precisamos encontrar um bom termo que pacifique essa situação”, declarou o prefeito.

O procurador jurídico da Federação da Agricultura do Estado do Paraná (Faep), Klauss Dias Kuhnen, disse que a lei do marco temporal deve ser respeitada por todos. Segundo Kuhnen, os municípios de Terra Roxa (PR), Altônia (PR) e Guaíra (PR) registraram invasões de terra produtiva pelos indígenas a partir de 2014. Ele fez uma defesa da importância do agronegócio para o estado do Paraná e disse que mesmo terras registradas antes de 1988 têm sido invadidas por indígenas. De acordo com o procurador, muitos produtores têm tido dificuldade de conseguir crédito junto aos bancos, porque suas terras estão em disputa pela demarcação.

De acordo com a tese do marco temporal, para que uma área seja considerada “terra indígena tradicionalmente ocupada”, será preciso comprovar que, em 5 de outubro de 1988 (data de promulgação da Constituição), ela já era habitada pela comunidade indígena em caráter permanente e utilizada para atividades produtivas, ou já era disputada pela comunidade.

A tese do marco temporal para a demarcação das terras indígenas foi amplamente discutida em 2023 e provocou embate entre os Poderes Legislativo, Judiciário e Executivo. Em 21 de setembro de 2023, o Supremo Tribunal Federal (STF) deixou de reconhecer a tese do marco temporal, avalizada pelo próprio tribunal em 2009, e depois editou um acórdão com mil páginas que prevê indenização prévia para os produtores de boa-fé que eventualmente percam o direito à terra.

Também em setembro, o Senado aprovou o projeto de lei que ratifica o marco temporal (PL 2.903/2023). O texto foi sancionado em 20 de outubro, com vetos do Executivo aos pontos principais, mas o Congresso derrubou parte dos vetos em 14 de dezembro, restaurando a exigência da data de 5 de outubro de 1988 como parâmetro para demarcação de terras indígenas.

Com informações da Agência Senado

Congresso derruba vetos de Lula e mantém marco temporal

Em sessão conjunta, o Congresso Nacional restabeleceu o marco temporal de 1988 para a demarcação de terras indígenas. O preceito havia sido aprovado no Projeto de Lei 2903/2023. Por 374 votos, parlamentares mantiveram o prazo já previsto na promulgação da Constituição Federal (5 de outubro de 1988) como referência para o reconhecimento de ocupação dessas áreas – entendimento balizado pelo julgamento do Supremo Tribunal Federal (STF), ainda em 2009, no caso Raposa Serra do Sol.

A líder do PP, Tereza Cristina (MS), coordenadora política da Frente Parlamentar da Agropecuária ( FPA) no Senado, orientou o voto “não” ao veto presidencial em plenário e discursou. “Apesar das narrativas falsas que colocam sobre esse tema, hoje nós vamos trazer a pacificação para o Brasil para os dois lados, indígenas, produtores, (todos) brasileiros. Não são só produtores rurais não, tem muitos conflitos em área urbana também. Hoje nós vamos trazer a paz para o campo, a paz para as cidades e a paz para o Brasil”.

A aprovação da matéria já havia ocorrido neste ano na Câmara dos Deputados por 283 votos favoráveis e no Senado Federal por 43 votos. A FPA trabalhou para derrubar os vetos presidenciais – o que impõe derrota ao governo federal, responsável pela fragilização do direito de propriedade no Brasil. O texto impede que novas demarcações atinjam populações do campo já estabelecidas pelo Estado brasileiro, sem retirar direitos de brasileiros de boa fé, responsáveis pela produção de alimentos para o Brasil e para o mundo. “Fizemos valer a nossa Constituição de 1988. Não tem lado perdedor, nem vencedor, todos ganham com segurança jurídica e paz no campo”, reforçou Tereza Cristina.

De acordo com o presidente da Frente, deputado federal Pedro Lupion (PP-PR), restaurar o Marco Temporal é garantir o direito de propriedade e a segurança jurídica. “Todas as iniciativas para garantir o direito de propriedade são válidas e o marco temporal é uma de extrema importância. Derrubamos os vetos e deixamos o projeto de lei como foi aprovado em sua plenitude. Não pode haver negociação e relativização do direito de propriedade no país. Hoje foi uma vitória de todos os trabalhadores rurais e do Brasil”, afirmou.

O vice-presidente da FPA na Câmara, deputado federal Arnaldo Jardim (Cidadania-SP), explicou que o posicionamento da bancada já era de conhecimento de todos, e obviamente, um acordo com o governo estava fora de cogitação. “A pauta sempre foi de extrema importância para o setor e para o país. É um assunto que colabora sobremaneira para a paz no campo”, ressaltou.

As famílias rurais que obtiveram as terras de boa-fé, e tiverem terras demarcadas poderão ser indenizados, caso comprovem a posse legítima. Este ponto também foi objeto de entendimento por parte do STF. Os ministros da Corte fixaram, recentemente, uma tese com previsão de pagamento de indenização prévia a proprietários de terrenos em locais ocupados tradicionalmente por indígenas.

Os ministros definiram, ainda, que caso não haja ocupação tradicional indígena ou renitente esbulho (usurpação da posse) na data da promulgação da Constituição, em 1988, há “particular direito à justa e prévia indenização das benfeitorias necessárias e úteis pela União”.

Com o veto rejeitado, as partes correspondentes do projeto apreciado são encaminhadas à promulgação pelo Presidente da República em até 48 horas. Caso não o faça, ficará responsável pela promulgação o presidente do Congresso, no mesmo espaço de tempo.

Com informações da Agência FPA