A convite do coordenador do Conselho Político e Social da Associação Comercial de São Paulo (Cops-ACSP), Heráclito Fortes, a senadora Tereza Cristina (MS), líder do PP, apresentou nesta segunda-feira uma palestra na sede da entidade, na capital paulista, sobre o impasse em torno do Acordo Mercosul-União Europeia. Ex-ministra da Agricultura, Tereza Cristina participou em Bruxelas, em junho de 2019, da conclusão da parte comercial do Acordo, que consumiu mais de 20 anos de negociação.
“Fui parte ativa dessa negociação, como ministra da Agricultura na época, e tivemos, já naquele momento, de abrir mão de alguns pontos para fecharmos o acordo”, lembrou a hoje senadora. “Negociamos exaustivamente porque nunca perdemos de vista que a União Europeia (UE) já foi destino de mais de 45% das exportações agropecuárias brasileiras no início dos anos 2000. Atualmente, as exportações àquele destino representam 16,4% do total agropecuário exportado para o mundo, segundo destino das vendas agrícolas do Brasil”, pontuou. “Mas não considero nem justo nem adequado que, quatro anos depois, uma carta adicional (side letter) da União Europeia faça exigências descabidas, em desacordo com nossa legislação ambiental, e até ameaças concretas, segundo o Itamaraty, de retaliação comercial”, completou. “Vamos nos debruçar para analisar essa carta adicional no Senado”, anunciou. “Não podemos usar desculpas para que esse Acordo não siga em frente”, disse.
Tereza Cristina explicou que, a partir de janeiro de 2025, para entrar em território europeu, as commodities precisarão passar por rigorosa verificação a fim de comprovarem não terem sido produzidas em áreas desmatadas. “Essas regras tornam urgente que se adotem, de forma ampla, os programas de rastreabilidade dos nossos produtos de exportação, sob pena de se favorecer alguns setores, mercados e regiões. Tenho dito que esse é um caminho sem volta e só complementa a nossa agropecuária – que é modelo para o mundo em produtividade, tecnologia, sustentabilidade – por isso assustamos tanto nossos concorrentes internacionais”, explicou.
Em sua palestra, ela revelou ainda que a resposta brasileira a essa carta adicional já está sendo finalizada com os parceiros do Mercosul. Tereza Cristina contou que houve uma reunião virtual entre os negociadores das duas partes na última quinta-feira, 31, e uma nova, presencial, com os europeus, está marcada para o dia 15/09, em Brasília. O Itamaraty, que contesta os termos da carta adicional, antecipou que os parceiros do Brasil no Mercosul – Argentina, Uruguai e Paraguai – “convergiram” na visão de que os instrumentos que a União Europeia listou na side letter são “negativos e com tendência protecionista na área agrícola”.
Aprovada em 19 de abril, a lei da UE determina a proibição da importação de produtos provenientes de áreas com qualquer nível de desmatamento identificado até dezembro de 2020 – seja legal ou ilegal. Previsto para entrar em vigor em dezembro de 2024, o Regulamento da União Europeia para Produtos Livres de Desmatamento (EUDR) incide sobre madeira, soja, carne bovina, cacau, café, óleo de palma, borracha e derivados – produtos da pauta de exportação brasileira, com exceção do óleo de palma.
“É preciso ficar claro para nossos parceiros europeus que não existe na nossa legislação o desmatamento zero – existe o desmatamento ilegal zero, dentro dos percentuais permitidos pelo Código Florestal para cada bioma. Na Amazônia, que tanto preocupa a Europa – e que nem é agricultável – só se pode desmatar 20% de uma propriedade rural; ou seja, 80% da vegetação nativa têm de ser preservados”, explicou Tereza Cristina . “Infelizmente, se não superarmos esses impasses, estamos correndo o risco de morrer na praia no Acordo Mercosul-UE, que seria um salto fantástico de investimentos para os dois blocos”, avaliou. Tereza Cristina afirmou não ver desejo real do atual governo em fechar esse Acordo. “E, se isso acontecer, perderemos credibilidade internacional para fechar outros acordos”.
Participaram do debate, dentre outros: Roberto Mateus Ordine, Presidente da Associação Comercial de São Paulo, Heráclito Fortes, Coordenador do Conselho Político e Social (COPS), Alfredo Cotait Neto, Presidente da Confederação das Associações Comerciais do Brasil (CACB) e da Federação das Associações Comerciais do Estado de São Paulo (FACESP), Jorge Konder Bornhausen, Coordenador-adjunto do COPS, e os conselheiros Benito Gama, João Pimenta da Veiga Filho, José Carlos Aleluia, José Jorge Vasconcelos, Paulo Bornhausen, Paulo Delgado, Roberto Brant.
O secretário estadual de Negócios Internacionais, Lucas Ferraz, também fez parte da Mesa. Ele disse que “sem Tereza Cristina, o Acordo não teria sido concluído; ela se mostrou uma grande negociadora”. Como secretário da equipe de Paulo Guedes, Ferraz chefiou as negociações pelo então Ministério da Economia, em 2019. “Para mim, é sui generis trocar um dos cinco maiores acordos do mundo por um capítulo sobre compras governamentais. Acho que não há interesse do atual governo na formalização desse acordo”, avaliou.
A senadora respondeu, durante mais de uma hora, a perguntas sobre o Acordo, o Código Florestal, o Marco Temporal, Reforma Tributária, e o retrocesso imposto ao país pelo atual governo.